Infelizmente qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência e os fatos que são relatados neste diário são reais e podem ser encontrados em muitas empresas brasileiras.

 

07h:50. Chegada ao trabalho. Chego 10 minutos mais cedo para ver se consigo adiantar alguma coisa antes que todos os analistas e o chefe cheguem, apesar de ter saído mais tarde ontem. Como sempre acontece neste horário, um dos analistas está com as duas páginas principais da Zero Hora abertas em cima da sua mesa. Ele me dá um olá e começa a comentar sobre os melhores lances da partida do dia anterior.

 

08h:10. Finalmente o analista percebe que não estou interessado nos erros do bandeirinha. Sento na minha desconfortável cadeira (o chefe é o único que possui uma cadeira de couro e boa) e me logo na estação. 25 e-mails não lidos, 8 são discussões a respeito de um usuário insatisfeito com um sistema, 10 são spam, 1 é parabéns pelo aniversário de um funcionário que não conheço. Os demais não consigo entender porque foram encaminhados para mim, já que são sobre a especificação de um sistema que ainda nem foi contratado.

 

08h:50. Após checar os logs de erros dos servidores descubro que o db oracle de um cliente foi reiniciado e não subiu. Logo pela VPN e já inicio o serviço. Enquanto isso os analistas se divertem mandando os estagiários atenderem os telefonemas dos usuários e dizer que os sistemas estão fora porque os usuários pressionaram um botão errado. Sem sinal do chefe.

 

09h:05. Digitando um e-mail para o pessoal de infra cobrando uma explicação do problema do reinício e demais pendências, entre elas: compra de mais memória para o servidor (atrasado 1 semana), compra do novo nó do cluster do oracle (atrasado 1 mês), instalação do service pack nas máquinas (já perdi a conta do atraso) e autorização para acessar o metalink que foi bloqueado pelo Firewall por engano. Ah, não posso esquecer de mandar o e-mail para o help desk trocar o meu monitor que apresenta uma faixa verde no meio da tela faz 3 semanas. Na última vez que eles vieram trocaram o meu mouse ótico por um analógico e nem sequer repararam no monitor.

 

09h:25h. Os analistas começam a receber os telefonemas dos usuários enquanto eu vou pegar um café. Sem nenhuma surpresa descubro que o café é basicamente o que sobrou de ontem requentado. Preparo um chá de camomila enquanto ouço um analista conversando com um usuário: “bla bla bla… o sistema funciona… bla bla bla… você quer que eu resolva da maneira certa ou da maneira rápida? Bla bla bla…” Penso comigo mesmo: lá vem. Ainda sem nenhum sinal do chefe.

 

09h:50h. Tentando voltar um backup em fita para o analista resolver o problema do usuário que apagou uma linha da tabela de clientes por engano. A fita de backup LTO contém 100 GB de dados, mas vou ter que arrumar um servidor para descompactar o banco inteiro apenas para recuperar uma linha que foi apagada pelo usuário. E o mais rápido possível, porque o analista prometeu resolver “a parada” para o usuário em 5 minutos. Paro o processo de remoção de arquivos contendo pornografia no servidor deixados pelo analista que pediu demissão na semana passada. Começo a procurar a fita de backup no meio do armário que é a casa de duas lagartixas e um aranha (apelidada carinhosamente de Lady Aracnea, quase um mascote do setor).

 

10h:15. Perco uma aposta. Todo dia fazemos uma aposta para ver qual será o horário que o analista conhecido como “Irmão” chegará. Desta vez ele chegou às 10:15, ainda longe de bater o seu recorde, que foi às 11:40. O ganhador foi o estagiário que ficou 75 centavos mais rico. Na próxima eu acerto!

 

10h:45. O backup está restaurado com sucesso. Em cinco minutos volto uma linha com o cliente que foi removido. Detalhe: somando todos os campos tínhamos menos de 75 caracteres, que o usuário se negou a digitar novamente. Volto aos meus afazeres já atrasados: reescrever uma procedure que utiliza cursores em uma tabela de 100.000 linhas e que não continha nenhum índice. Nada do nosso pouco-amado chefe.

 

11h:15. Temperatura Wars. Enquanto os analistas montam uma gangue para baixar o ar condicionado, os estagiários, programadores e demais membros se unem para aumentar a temperatura. Já posso ouvir o som de correntes e facas sendo afiadas. Tento me isolar desta guerra e me concentrar na procedure que tem nomes de variáveis iguais aos nomes de planetas: SATURNO1 para armazenar o código do cliente, PLUTÃO69 é o saldo do estoque de um produto….

 

11h:32. Entrada triunfal do chefe. Posso ouvir o pressionar das teclas ALT+TAB em cascata e conversas sendo abruptamente interrompidas. De fundo quase dá para ouvir a marcha imperial do STAR WARS enquanto o chefe se dirige à sua mesa que está no final da sala, onde ele pode ver o que está sendo apresentado em todos os monitores.

 

11h:45. Início da discussão sobre o local do almoço pelo MSN. Uns querem ir no restaurante por kilo e outros querem ir na padoca-barata-na-parede porque é mais barato. Digo que vou em qualquer lugar, desde que aceite o meu ticket de R$ 6,50 e dê para comer algo digno. O chefe se levanta e fala que vai em uma reunião e volta só depois do almoço. Enquanto isso a área de Archive Log de um banco criado por um analista estoura e o HD do servidor fica sem espaço. Preparo o meu Taser para fritar o desgraçado que criou um banco de dados sem passar por mim.

 

11h:55. Ápice da produtividade. Posso ouvir mais de um teclado trabalhando ao mesmo tempo na sala: o meu e mais o da analista consultora que trabalha por hora e que é a única mulher do departamento. Finalmente decide-se que o almoço vai ser na barraquinha de cachorro quente do tiozão em frente à delegacia, pois de lá é possível ver os presos chegando e tirar um sarro com a cara deles, de acordo com um programador.

 

11h:59. Ninguém respira. Todos os olhares apontados para o relógio da parede. A tensão cresce, o suor escorre no rosto dos analistas. E eu rodando um AWR no servidor de produção para descobrir qual sistema está sobrecarregando o servidor do ERP e do CRM. Resultado: um programa de terceiro faz um loop para pegar a mesma linha dez vezes sem nenhuma otimização na consulta.

 

12h:00. Saída para o almoço. Há um tunelamento de pessoas na porta do setor que não é nada comparado à fila do elevador. Escolho descer 8 andares de escada, onde passo pelos fumantes, o cara do almoxarifado dando uns amassos na moça da copa e uma série de caixas de papelão contendo o servidor com o nó de cluster que pedi! Finalmente descobri porque ninguém sabia onde ele estava….

 

12h:15. Espera dos companheiros para o almoço já fora da empresa. Sempre tem um que se desculpa dizendo que encontrou com o chefe no corredor. Preciosos 15 minutos perdidos.

 

13h:05. Retorno do almoço. Obviamente alguns colegas se atrasam porque foram passar no banco ou na farmácia. Como sempre, vem aquela solicitação para o DBA rodar um UPDATE na tabela que contém o horário de entrada e saída para almoço. Digo que vou pensar no caso.

 

13h:10. Começa o rodízio da ida ao banheiro. Como o departamento possui apenas um toilette masculino, há muito tempo foi definida uma ordem de quem vai escovar os dentes e outras “tarefas”. O segundo analista que sai do banheiro levanta os braços orgulhoso e diz que “a coisa tá feia”. Com a porta aberta começamos a sentir a radiação emanada pelo local. A consultora faz o sinal da cruz e eu vendo a minha vez para ir ao banheiro para o estagiário que decidiu comer três cachorros quentes com direito a todos os acompanhamentos.

 

13h:20. Retorno meus afazeres montando uma rotina de limpeza. O sistema de vendas da empresa tem pedidos desde 1980 armazenados na mesma tabela, que diariamente recebe reclamações dos usuários a respeito da lentidão. Lembro que comentei isso com o chefe, mas ele me reprimiu dizendo energicamente que “talvez precisem dos dados um dia desses e devemos mantê-los na base”. Resultado: tenho que otimizar de outra forma.

 

13h:45. Soneca time. Com a barriga cheia e calor típico do nosso pais é possível observar o fenômeno da cochilada presente no departamento. O primeiro a dormir é o analista responsável pelo sistema de estoque, que possui mais de 15 chamados em aberto (um bug está desde 2001 sem correção). Há uma disputa para ver quem consegue fotografar com o celular primeiro a performance da soneca.

 

14h:00. Vou para uma reunião com o pessoal de infra para cobrar as pendências e, de acordo com o chefe, “alinhar o posicionamento estratégico do nosso departamento com as demais áreas”. Depois de 15 minutos esperando, chega o coordenador do suporte e de infra. Cobro as memórias, o nó do cluster e a aplicação dos services pack. Eles me dão os parabéns por ter achado o servidor perdido no corredor. Depois de 5 minutos não dá mais para a continuar a reunião porque os celulares deles não param de tocar. Reunião adiada para semana que vem.

 

14h:30. Volto para o departamento. Um analista me chama à sua mesa para que eu dê uma olhada no diagrama entidade relacionamento que ele montou. Quando cito a terceira forma normal ele faz uma cara de quem viu a Dercy Gonçalves sem roupa. Perco mais 20 minutos tentando explicar o que é normalização, dependência funcional, chaves primárias compostas…

 

14h:52. O chefe liga para mim desesperado e diz que ainda está no almoço. Ele quer um plano de ação para a instalação de um novo servidor de banco de dados em uma filial nova da empresa, que será criada em uma cidade com menos de 50.000 habitantes. Ah, ele quer este documento no e-mail dele em 10 minutos, sendo que eu nunca tinha feito um plano de ação antes.

 

15h:20. Fiz o meu melhor para montar o plano de ação, mas quando estava no final o link com a Internet cai. Ao primeiro sinal que ninguém mais consegue checar o e-mail vejo tabuleiros de dama, dominós, baralhos e até uma gaita aparecerem no departamento. Ligo para a infra e descubro que “por um motivo desconhecido” a redundância de link com a Internet não foi acionada. Sem previsão de retorno. Pego o meu caderno e começo a organizar as pendências, tarefas e demais assuntos. Aproveito a pausa para fazer algumas ligações: ligo para a empresa do sistema de catracas que exigiu que a senha do login fique em branco para que o sistema funcione. Cobro novamente o meu monitor com o suporte. Fico 15 minutos no telefone com o pessoal do Data Center para explicar a eles que a estratégia de backup é falha, insegura eque é preciso uma revisão no processo.

 

16h:00. O chefe chega do almoço nervoso e após dar dois socos na mesa resolve ele mesmo descer até o departamento de infra e cobrar o retorno do acesso à Internet. Milagrosamente o link volta depois de 2 minutos que ele saiu da sala.

 

16h:20. Há um chamado urgente do suporte que é encaminhado ao analista: o sistema de RH está lento e se continuar assim não será possível fechar a folha de pagamento a tempo. Pressão psicológica, imagino eu, pois se o sistema não voltar a funcionar teoricamente ninguém recebe o pagamento no final do mês e a culpa é da TI. O analista não tem a menor ideia do que o módulo faz, pois não foi ele quem desenvolveu e esta parte sempre funcionou bem. Lá vou eu parar o que estava fazendo para rodar um AWR, analisar plano de execução, seguir a seqüência de encadeamento de triggers. Nem me preocupo em perguntar sobre a documentação para o analista, pois aprendi da pior maneira que a palavra documentação por aqui representa um mito.

 

17h:00. Descobrimos o erro. Havia duas triggers com cursores encadeados dentro da tabela que armazena os recebimentos da empresa. Após retirar os cursores, otimizar as triggers e testar o sistema convenço o analista a gerar uma nova versão e atualizar o executável. Como resposta do usuário recebo um “ainda bem que a TI resolveu desta vez”. Mais um feliz usuário que não tem a menor ideia da complexidade do sistema e do banco de dados.

 

17h:05. O chefe vai embora. Depois de olhar o documento que eu me esforcei para montar (o tal do plano de ação) ele me diz que a diretoria resolveu cancelar a criação da nova filial há cinco minutos. Mais uma vez, ele vai embora e diz que todas as horas extras vão para um banco de horas que será negociado no futuro. Alguns analistas já mantêm uma atualização diária do currículo. Volto a trabalhar na rotina de limpeza.

 

17h:40. Com os dedos cruzados torço para ir para casa no horário. Atualizo a planilha de tarefas semanais e bate uma tristeza quando vejo que faz 10 dias que não consigo sair antes das 19:00.

 

17h:55. Tensão no departamento. Todos já estão devidamente enfileirados para ir embora quando o telefone toca. Todos olham uns para os outros e ninguém se arrisca a atender. Como é o telefone da minha mesa sobra para mim. Resultado: a filial da região Sul perdeu o HD e é preciso instalar novamente o banco de dados inteiro, pois amanhã é dia de grande movimento. Enquanto procuro os CDs de instalação do oracle 9i (sim, ainda não houve migração para o 11g) ouço todo mundo ir embora e fazer piadinhas sobre a vida dura que é ser um DBA.

 

19:35. Finalmente terminei. Instalação, restauração de backup, configuração de opções do servidor, criação de logins, permissões, servidores linkados, dispositivos de backups, jobs, alertas, monitoramento, create de tabelas e indexes necessários. Tudo isso pronto em quase uma hora e meia. Já estou ficando bom nisso, porque da outra vez eu demorei três horas para fazer tudo isso de madrugada. Pego minhas coisas e vou embora quando já é noite, apenas para descobrir que o estacionamento da empresa cobra taxa adicional para saídas fora do horário normal.

 

É amigo Joselito… não é fácil! 🙁